Confesso que nestas últimas semanas pouca inspiração tive para escrever, e sabendo que essa é das desculpas mais esfarrapadas que existem, só me resta apelar para a boa vontade de quem sabe que, quando os boletos se acumulam, é difícil pensar em algo além de como conseguir mais do vil metal para sobrevivermos mais um mês.
Mas cá estamos novamente a comentar da vida que segue, entre catástrofes ambientais/políticas, livros lidos, gibis consumidos e filmes hipnotizantes.
Lá no Rio Grande do Sul tudo foi por água abaixo em mais um notório caso de descaso político de nossas elites, e entre afogados em uma maré de lama, esgoto e marketing, tudo irá seguir mais ou menos na mesma. E se alguém espera alguma revolta popular por conta disso, podem tirar o cavalo Caramelo da chuva, pois todo mundo está mais preocupado em não pegar leptospirose ou dengue, além dos boletos, claro.
Enquanto Israel segue em sua guerra contra os terroristas dos Hamas, as elites políticas e culturais do mundo ocidental seguem pouco disfarçando sua falta de boa vontade para com o único estado judeu do mundo, e já tivemos protestos de universitários, de artistas e intelectuais, de influenciadores de todos os tipos e colorações, todos unidos contra o “genocídio em Gaza”. O Hamas tem uma máquina de propaganda de fazer inveja a muito militante antissemita por aí, afinal, quando falamos de genocídio de verdade, muito pouco vemos esse pessoal tão ligado nas questões da humanidade comentarem sobre a região sudanesa de Darfur, que enfrenta um risco crescente – e real - de genocídio.
Já que o mundo segue seu caminho entrópico natural, aproveitei estes tempos para ler Faca, excepcional livro do escritor Salman Rushdie que encara, agora com a força das palavras, o ataque cometido por um radical muçulmano que quase o matou. Devo confessar que não sou leitor de Rushdie, mas minha empatia e respeito por ser ele um homem “condenado” sempre se fez presente - ainda mais depois de sua participação em Curb your enthusiasm, onde ele tripudia hilariamente de sua condição – e de seus algozes – ao ensinar Larry David a aproveitar a fatwa para fazer sexo. Faca é mais do que um mero relato do horror e do sofrimento pelo que Rushdie viveu, é acima de tudo uma voz que ousa se erguer contra todo o obscurantismo, radicalismo e estupidez humana, uma verdadeira “lição de trevas” a nos ensinar que mesmo no pior momento, ainda há que se acreditar que somos melhores que nossos piores demônios.
Nos cinemas temos em cartaz um dos melhores filmes do ano! Dirigido pelo visionário George Miller, Furiosa: uma saga Mad Max é um desbunde visual e narrativo que amplia o mundo pós-apocalíptico imaginado e criado por Miller lá no fim dos anos 70. Mantendo as prerrogativas que moldaram os primeiros filmes da série - a saber: narrativa visual, cenários e efeitos práticos predominantes, ação motivada e reveladora do caráter dos personagens – este novo capítulo funciona como uma engrenagem potente, monumental e empolgante desde seus primeiros minutos até seu final épico. Um filme feito para se ver no cinema, como deve ser!
Falando em mundos pós-apocalípticos não posso deixar de recomendar a adaptação do quadrinista francês Manu Larcenet para o romance A Estrada, de Cormac McCarthy, adaptação esta que mantém o espírito do autor americano, mas que consegue ter voz própria, especialmente aquela dos silêncios. Larcenet usa de seus desenhos para expressar a desolação, as ruínas, os escombros de uma civilização que morre sob cinzas e poluição.
Para encerrar é preciso indicar com veemência Kiliana Song! O quadrinho de Benjamin Flao, publicado pela Nemo, é dos gibis mais bonitos que já li na vida, com forte influência de Hugo Pratt – e lembrando os melhores momentos de um Marcelo Quintanilha, tanto na elaboração e caracterização dos personagens quanto nos traços e desenhos. Sua trama costumbrista, com pitadas de realismo mágico, encanta, surpreende e fascina. Uma das melhores publicações recentes no mundo dos gibis.
Por enquanto é isso, pessoal. Prometo que se conseguir pagar o aluguel do mês desenvolvo análises mais aprofundadas das obras citadas acima!