A Rebelião das Elites
Para Lasch as massas hoje são, de certa forma, o último reduto da estabilidade social, e as elites as principais causadoras de mudanças catastróficas.
A Rebelião das Elites*
O título ainda se refere à antiga edição do monumental livro de Christopher Lasch, uma nova tradução deve sair ainda este ano com o título A Revolta das Elites e tradução do
.Essas reflexões ainda são válidas, mesmo escritas já há uns bons anos. Compartilho com os leitores pois acredito servir como uma boa introdução ao livro de Lasch, além de atiçar a curiosidade para com a nova edição da obra.
Boa leitura!
“Cultura é o sistema de ideias vivas que cada época possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo vive.”
José Ortega y Gasset
Das vantagens de se ter uma boa biblioteca em casa, uma das mais interessantes é, em um dia moroso, de chuva agradável, fina, a refrescar o ar, esbarrarmos descuidada e displicentemente em um daqueles livros que em determinado momento da vida teve papel fundamental em nossa formação. E apesar de não recordamos em detalhes, sabemos que a “impressão” dos argumentos e ideias está lá; mas, como o rosto de um amigo ou de um parente distantes, suas nuances já nos escapam, ficam borrados os contornos, e o que temos muitas vezes é um fiapo reconstruído de memória. Pois nestes dias morosos, reencontrar um amigo ou um bom livro é um prazer nostálgico, cheio de temores e anseios.
Em ambos os casos, o tempo que passou pode reforçar ou esmaecer a força que ligava e dava coesão à amizade ou ao livro. Grandes livros e grandes amigos permanecem, apesar do tempo. Amizades fúteis e livros frívolos perdem o vigor, e o amarelo das páginas e as rugas nos rostos não carregam aquele ar duradouro de experiência vivida, mas sim o aspecto mofado do tempo.
Hoje, tive a experiência de reler um dos livros responsáveis pela minha primeira “conversão”. Falo do “A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia”, do historiador americano Christopher Lasch, um dos grandes “moralistas” das terras do Tio Sam, e que ao lado de Allan Bloom (com o seu “A Cultura Inculta”, outro livro que merece releitura!), influenciou diretamente meu “radicalismo conservador” dos primeiros anos.
“A Rebelião das Elites” foi escrito em 1994, com a urgência da verdade pulsando em cada página, urgência que nasce da consciência e certeza da morte, pois Lasch escreve o livro corroído por um câncer que irá abater sua vida em pouco mais de um ano. O livro é seu testamento e legado, e se há fragilidades em alguns pontos, o que permanece é ainda relevante para nós, mesmo depois de vinte anos.
Ao longo da obra, Lasch analisa a sociedade americana e suas “revoluções” internas que, a partir daquele momento, criam um “mal-estar democrático” que ameaça de tempos em tempos as democracias ocidentais. Os capítulos mostram a preocupação de Lasch com o todo de uma sociedade: as divisões sociais, a mobilidade social, populismo e comunitarismo, o discurso democrático, racismo e minorias, o multiculturalismo, a educação, o papel do jornalismo, a necessidade da democracia e, por fim, mas não menos importante, o papel da religião e da cultura em um mundo cada vez mais secular.
Um dos pontos mais atuais do livro são as questões que envolvem o futuro da democracia. Entende ele que discutir a democracia em todos os seus aspectos é uma, e talvez a principal, forma de preservação dela. Ao deixar a discussão de lado, ou não buscar uma compreensão melhor e mais acertada da realidade, estamos a minar nossas próprias bases, e é isto que, nas palavras de Lasch, é um dos principais aspectos da traição de que ele vai acusa a “elite” americana. Esta visão da democracia, como um amplo espaço onde circulam livremente as ideias e crenças, faz com que Lasch aproxime-se de autores como Leszek Kolakowski e Tony Judt.
Mas antes, o que Lasch identifica como esta “elite traiçoeira”? Tendo como contraponto o clássico livro de Ortega y Gassett, “A Rebelião das Massas”, o autor afirma que esta nova aristocracia não é caracterizada apenas por aspectos econômicos, mas também por um estilo de vida cada vez mais distinto e isolado das outras classes sociais. Elite que busca as benesses da aristocracia sem as responsabilidades desta.
As antigas elites e suas famílias, ao contrário:
“…estabeleciam-se tipicamente, quase sempre durante várias gerações, em um determinado cenário. Em uma nação de andarilhos, a estabilidade residencial lhes proporcionava uma certa continuidade. Famílias tradicionais eram assim reconhecidas, especialmente nas cidades litorâneas mais antigas, apenas porque, tendo resistido ao hábito migratório, elas fixaram raízes. A sua insistência na inviolabilidade da propriedade privada era limitada pelo princípio de que os direitos à propriedade não eram absolutos nem incondicionais. Compreendia-se que a riqueza acarretava obrigações civis.”
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